segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
domingo, 2 de dezembro de 2012
Soma e segue o cinema europeu...
Entretanto, o filme Amour do realizador austríaco Michael Haneke, que já tinha ganho a Palma de Ouro em Cannes e estado no Festival Internacional de Cinema de Nova Iorque sem passar, surpreendentemente, por Veneza, ganhou a 25ª edição dos Prémios de Cinema Europeu. Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva mostram-nos o envelhecimento do amor. De uma forma tocante.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Que limite para a dignidade humana?
Leiam este texto do Cardeal Odilo Scherer
«Qual é o preço da dignidade humana?»
«Eu teria preferido escrever sobre outro assunto nesta semana, mas o leilão da virgindade de uma jovem brasileira,
amplamente divulgado pela imprensa, requer uma reflexão. É um facto chocante e, ao mesmo tempo, parece tão banal que,
talvez, só chamou a atenção porque o leilão aconteceu de maneira aberta, pela internet, e porque o valor da licitação
foi alto. (...)
Afinal, o que está acontecendo? Pessoas colocam livremente a própria dignidade em leilão em troca de dinheiro?
O facto foi acompanhado com curiosidade mórbida e até com claque, para ver até onde a oferta chegaria. Chocar, por quê?
Nas calçadas de certas ruas da cidade e em tantas “casas do amor”, não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso
chame a atenção, ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem quer legalizar a prostituição, como se fosse uma profissão qualquer.
Tudo se resolve no nível económico, também traficar pessoas, reduzi-las a escravas, vender bebés, comercializar órgãos humanos...
E há quem compre ou venda votos nas eleições, comprando ou vendendo a própria dignidade; e também quem suborne a justiça,
pondo em liquidação a própria consciência; há quem compre armas, use contra os outros, faça violência, mate, tudo pela vantagem económica.
E há quem trafica drogas, lucrando com o comércio da morte; e quem, simplesmente,
vai roubando o que é dos outros ou de todos: tudo pela vantagem económica que está em jogo...
Grande novidade nisso tudo não há; coisas que sempre aconteceram. O novo é que, sem nos darmos conta,
estamos a assimilar uma cultura do mercado, na qual o fator económico passou a ser o referencial maior:
e uma cultura de valores éticos e morais, para uma cultura do valor económico; o bem maior parece ser a vantagem económica,
que tudo permite e legítima, amolecendo qualquer resistência do senso moral.
Tudo fica justificado se há vantagem económica. Onde vamos parar?
Está mais do que na hora de colocar tudo isso em discussão novamente; será que essa tendência cultural
vai levar a um aprimoramento das relações humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A uma valorização real das pessoas,
ao respeito pela justiça e a paz? Provavelmente não. Certamente não.
O ser humano, avaliado sobretudo na ótica da razão económica, deixa de ser pessoa e torna-se objeto quantificável.
Nisso também não há grande novidade; no passado houve a exploração dos escravos, dos operários, das mulheres.
Mas, sob protesto. O preocupante, agora, é que essa maneira de ver e fazer, passe por aceitável e normal e a própria pessoa
“objetivava”, outrora considerada vítima, agora seja vista como um sujeito autónomo e livre, que faz o que quer,
também com a sua própria dignidade; e tudo vai bem assim...
Voltaremos às feiras em que se vendem escravos? Livremente expostos à venda, aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por internet,
é um facto que deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da curiosidade mórbida, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco
mais de vergonha diante do que está acontecendo.
Nossa dignidade comum está sendo leiloada! É deprimente!»
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo, Brasil
23.11.2012
In Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Paula Rego, quer se goste quer não!
Não se pode deixar de ir àquele espaço maravilhoso, em Cascais.Mesmo em frente ao Parque da Gandarinha,também chamado Jardim Marechal Carmona e que tantas recodações de infância me traz.
Ora vejam, a Casa das Histórias.
E agora, lá dentro!!!!
sábado, 10 de novembro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Esta cidade que nos invade...
A cidade invade-nos.Mesmo que nós não queiramos.A luz e a cor entram pelos nossos olhos dentro, entranham-se de uma forma que nós quereríamos duradoura.
Ora vejam.
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Ai que saudades deste blog!!!!
Como é possível ter estado tanto tempo sem vir aqui??? Que sensação tão estranha.A sério! Já tinha muitas saudades, especialmente de escrever.De partilhar ideias, mesmo que só com o mundo virtual.De escrever mais qualquer coisa do que que aquele jargão que alguns de nós temos que usar nos empregos...Vamos lá então ao que interessa. Uma dica cultural.
No próximo dia 14 de novembro, no seu primeiro destino de itinerância, é inaugurada uma exposição de 27 óleos de grande escala e 34 desenhos que compõem a Via Sacra de Fernando Botero e que foram doados pelo artista ao Museu de Antioquía.São obras produzidas recentemente e apresentadas agora pela primeira vez. Botero, pintor e escultor colombiano, nasceu em Medellín em 1932, e é considerado um dos artistas mais cotados do mundo, que nunca deixou de pintar as grandes injustiças sociais.
É favor dar um salto à Galeria do Rei D. Luís I, no Palácio Nacional da Ajuda! Até o Presidente da República da Colômbia cá vem para a inauguração!!
sexta-feira, 9 de março de 2012
As pessoas quando se sentem compreendidas, mudam

O maior desejo do homem é amar e ser amado, por isso, o seu maior medo é ser rejeitado. Ou não ser aceite pelo que é. Desta realidade nascem as defesas, os preconceitos, as barreiras e os muros altos e intransponíveis que tantas vezes erguemos à nossa volta e que distorcem a comunicação.
«Compreender não é concordar. Eu não tenho nada que concordar com o que a pessoa fez, ou deixa de fazer. Também não tenho nada que lhe lançar à cara uma frase seca e acabar a conversa sem mais, dizendo: «Fez muito mal!» ou «Fez muito bem!».
Posso concordar ou discordar das ideias. Agora, em relação às pessoas, o que importa é compreendê-las. Não sei se há algo mais exigente do que procurar compreender uma pessoa.
Compreender é então para Alberto Brito, sj, transmitir ao outro: «Podes ser tu, diante de mim. Não precisas de ser outra pessoa, nem precisas de te defenderes de mim, porque eu não sou teu juiz»
(…)O exercício de compreensão não é fácil, mesmo nada fácil. Exige um grande trabalho interior, que não se vê a olho nu e cujos efeitos não se percebem imediatamente. Mas é o que mais vale a pena. Caso contrário, as pessoas fecham-se, enquistam-se, defendem-se (…).
Outra coisa a fazer é estabelecer fronteiras claras, limites para a partilha dos nossos sentimentos: « Nem tudo é para se dizer. Há coisas que tenho de aprender a dizer e a digerir apenas para comigo. Posso sim, aqui e ali, pedir ajuda e tentar falar com uma pessoa em quem tenho confiança sobre algo que me atormenta. Isso, sim, pode ajudar muito, não para que essa pessoa resolva, mas para que me ajude a lidar com o que cá vai dentro….A estratégia que sugiro - admitir, relacionar, relacionar- faz a pessoa crescer em verdade, desanuvia o seu anterior, dá-lhe liberdade na sua actuação».
Sobre a negação dos nosso próprios sentimentos Alberto Brito, sj, fala-nos ainda de Freud e daquela comparação de fecharmos uma criança mal comportada na cave, quando nos está a moer o juízo.«Deste modo, fechada, já não nos vai incomodar. Durante algum tempo até podemos sentir um certo alívio, porque deixamos de ouvir a criança gritar, mas quando fechamos duas, três, quatro crianças na cave, elas às tantas não só gritam como começam a bater nas canalizações da água e, em pouco tempo, fazem um tal chinfrim que se ouve na casa toda. E isto é difícil de suportar…A negação provoca uma tal poluição no nosso ecossistema, uma tal confusão e opressão que os dois ou três sentimentos que queremos a todo o custo fechar na nossa cave passam a ser o nosso absoluto. E vemo-nos dominados exactamente por aquilo que queríamos eliminar em nós…». Bem, e muito, muito mais haveria a dizer sobre este livro que se vai saboreando…
Obrigada às minhas companheiras de Palmela!segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Na Casa Branca
Fantástico. Atentem na graça que tem o que a Meryl Sreep diz dos filhos !
Como eu a entendo.
Como eu a entendo.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Dia dos Namorados: sentimentos, olhares e afetos
Verdade, verdade é que os sentimentos são um atraso de vida.
Paralisam ou põem tudo em rodopio.
Estremecem.
Tiram de órbita.
Afundam e ressuscitam.
Fazem rodar as quatro estações.
Na mesma tarde.
Acreditam?
Verdade, verdade é que os sentimentos atrasam. Deixam o trabalho para depois.
Despistam.
Aproximam o pó das estrelas e distanciam o pó das sebentas.
Que fazer?
Suspiros. Olhares. Olhinhos.
A linguagem passa perigosamente ao estado diminutivo sempre que os sentimentos perigosamente se expandem.
O pior é que nem pela ironia se dá.
Mas a verdade, a grande verdade é que os sentimentos interessam.
Tornam-nos gente.
Ensinam-nos a ser.
Pedem de nós o que trazemos de único e de irrepetível.
E preparam-nos para querer, para desejar receber o mesmo.
Do outro. Da outra.
Um comércio puro, gratuito.
Tão diferente, tão distante
dos rotineiros comércios.
A qualidade do nosso estar, aqui ou noutro lado, as coisas que temos ou que gostamos mesmo de aprender, os outros com que vamos tecendo o quotidiano, o sentido mais profundo que buscamos emprestar à nossa vida
dão-nos estofo. Firmeza interior.
Capacidade de construir.
Não aconteça sermos nós
uns atrasos de vida que fazem emperrar
os essenciais sentimentos.
Tolentino Mendonça
Paralisam ou põem tudo em rodopio.
Estremecem.
Tiram de órbita.
Afundam e ressuscitam.
Fazem rodar as quatro estações.
Na mesma tarde.
Acreditam?
Verdade, verdade é que os sentimentos atrasam. Deixam o trabalho para depois.
Despistam.
Aproximam o pó das estrelas e distanciam o pó das sebentas.
Que fazer?
Suspiros. Olhares. Olhinhos.
A linguagem passa perigosamente ao estado diminutivo sempre que os sentimentos perigosamente se expandem.
O pior é que nem pela ironia se dá.
Mas a verdade, a grande verdade é que os sentimentos interessam.
Tornam-nos gente.
Ensinam-nos a ser.
Pedem de nós o que trazemos de único e de irrepetível.
E preparam-nos para querer, para desejar receber o mesmo.
Do outro. Da outra.
Um comércio puro, gratuito.
Tão diferente, tão distante
dos rotineiros comércios.
A qualidade do nosso estar, aqui ou noutro lado, as coisas que temos ou que gostamos mesmo de aprender, os outros com que vamos tecendo o quotidiano, o sentido mais profundo que buscamos emprestar à nossa vida
dão-nos estofo. Firmeza interior.
Capacidade de construir.
Não aconteça sermos nós
uns atrasos de vida que fazem emperrar
os essenciais sentimentos.
Tolentino Mendonça
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
João Madureira de volta, no CCB!!!!
![]() |
Sete Lágrimas |
de Martin Codax (Séc. XIII).Concerto segundo do Tríptico da Terra.Músicos de primeira água, Zsuzsi Tóth soprano e dos Sete Lágrimas , Filipe Faria e Sérgio Peixoto.
Vejam mais detalhes aqui e não percam!! O concerto é às cinco da tarde de um domingo.Querem melhor?
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
O Hino ao Silêncio de Bento XVI
Num momento particularmente silencioso da minha vida encontrei este texto de Bento XVI , que diz tudo.
«Silêncio e palavra [são] dois momentos da comunicação que se devem equilibrar, alternar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união profunda entre as pessoas.
Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado.
O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo.
No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos.
Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias.
Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena.
É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa.
No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório.
O silêncio é precioso para favorecer o necessário discernimento entre os inúmeros estímulos e as muitas respostas que recebemos, justamente para identificar e focalizar as perguntas verdadeiramente importantes.
Neste mundo complexo e diversificado da comunicação, aflora a preocupação de muitos pelas questões últimas da existência humana: Quem sou eu? Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar?
É importante acolher as pessoas que se põem estas questões, criando a possibilidade de um diálogo profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de convite à reflexão e ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que uma resposta apressada, permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo de si mesmo e abrir-se para aquele caminho de resposta que Deus inscreveu no coração do homem.
O Deus da revelação bíblica fala também sem palavras: «Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio. Se Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus.
Quando falamos da grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se sempre inadequada e, deste modo, abre-se o espaço da contemplação silenciosa.
Na contemplação silenciosa, surge ainda mais forte aquela Palavra eterna pela qual o mundo foi feito, e identifica-se aquele desígnio de salvação que Deus realiza, por palavras e gestos, em toda a história da humanidade.
Silêncio e palavra são ambos elementos essenciais e integrantes da ação comunicativa da Igreja para um renovado anúncio de Jesus Cristo no mundo contemporâneo. »
«Silêncio e palavra [são] dois momentos da comunicação que se devem equilibrar, alternar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união profunda entre as pessoas.
Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado.
O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo.
No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos.
Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias.
Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena.
É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa.
No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório.
O silêncio é precioso para favorecer o necessário discernimento entre os inúmeros estímulos e as muitas respostas que recebemos, justamente para identificar e focalizar as perguntas verdadeiramente importantes.
Neste mundo complexo e diversificado da comunicação, aflora a preocupação de muitos pelas questões últimas da existência humana: Quem sou eu? Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar?
É importante acolher as pessoas que se põem estas questões, criando a possibilidade de um diálogo profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de convite à reflexão e ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que uma resposta apressada, permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo de si mesmo e abrir-se para aquele caminho de resposta que Deus inscreveu no coração do homem.
O Deus da revelação bíblica fala também sem palavras: «Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio. Se Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus.
Quando falamos da grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se sempre inadequada e, deste modo, abre-se o espaço da contemplação silenciosa.
Na contemplação silenciosa, surge ainda mais forte aquela Palavra eterna pela qual o mundo foi feito, e identifica-se aquele desígnio de salvação que Deus realiza, por palavras e gestos, em toda a história da humanidade.
Silêncio e palavra são ambos elementos essenciais e integrantes da ação comunicativa da Igreja para um renovado anúncio de Jesus Cristo no mundo contemporâneo. »
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
José Luís Peixoto
Em Lisboa, no Martim Moniz. Há um mês atrás, no dia 7 de setembro de 2011.
Pouco habituado à superfície do chão, firmava um pé e depois outro, como se quisesse parar a rotação da terra. Levava as mãos levantadas à altura do peito, as palmas das mãos paralelas ao chão, equilibrando-se. No centro do Martim Moniz, ninguém prestava especial atenção a um homem de meia idade a cambalear. Nem os pombos se incomodavam com a sua presença. Eram pombos temerários, de patas mutiladas pelos elétricos. Zonzo, com passos que tinha acabado de reaprender, Ivan aproximou-se de dois homens. Perguntou-lhes onde estava. Os homens não se admiraram com a pergunta.
Eram russos.
Antes de responderem, ofereceram-lhe uma golada de um pacote de vinho tinto, que tiraram de um saco de plástico do Minipreço. Ivan não aceitou e não recusou, havia demasiado pânico nos seus olhos. Foi o homem mais magro que lhe disse que estavam no Martim Moniz. Confuso, com má pronúncia, Ivan repetiu esses dois nomes. Depois, perguntou como foi parar ali. Os dois homens olharam um para o outro como se encolhessem os ombros e não disseram nada. Eles próprios repetiam essa questão para si mesmos todos os dias.
Passou uma ambulância e Ivan encolheu-se todo. Aterrorizado, perguntou como poderia sair dali. Os dois homens acalmaram-no. Convidaram-no a sentar-se ao lado deles. O mais gordo perguntou-lhe o nome. Ivan declamou o nome completo como se, ao fazê-lo, reclamasse a propriedade do seu corpo. Enquanto bocejava e abria uma torta Dan Cake de morango, o mais magro achou curioso que tivesse o mesmo nome do juiz do livro de Tolstoi. Ivan não conhecia Tolstoi, desconhecia, mas, como se se tivesse lembrado de repente, aproveitou para dizer que era juiz. "Um juiz faz sempre muita falta", acrescentou o magro a mastigar torta e a rir-se. Houve uma pausa sem palavras entre os homens. O mais magro era topógrafo, tinha sido essa a sua profissão na Rússia; o mais gordo era professor de álgebra, tinha sido essa a sua profissão na Universidade Lomonosov, em Moscovo.
Ivan resignou-se ou começou a perceber o alcance da proposta que lhe era apresentada. Fixando a distância, talvez tentasse encontrar razões para aquela perturbação do seu descanso. A morte era uma tranquilidade tão confortável, tinha-se habituado a ela, não era justo roubarem-lhe o costume e a paz que os seus ossos e o seu espírito tinham conquistado. Porquê, porquê? Ou, também lhe ocorreu, talvez chegar ali, àquele lugar de barulho, fizesse parte da própria morte. De qualquer das maneiras, todo o trabalho que tivera para alcançar uma morte que o satisfizesse, parecia desperdiçado.
"Não penses nisso", disse o homem mais gordo, como se conseguisse imaginar aquilo em que Ivan estava a pensar. Nesse momento, através das frases arrastadas e incompletas que escutara, Ivan já sabia que o homem mais gordo se chamava Sergei. O mais magro chamava-se Nikolai. Além disso, através das mesmas frases arrastadas, sabia que havia pouco trabalho. "Há trabalho, não há é patrões que paguem", corrigiu Nikolai, com a voz mais lenta, a língua com mais dificuldade de se desenrolar dentro da boca e com a cabeça a equilibrar-se sobre o pescoço, mas a descair, redonda. "Senhor Almeida gatuno, filho da puta", disse Sergei em português enquanto se esforçava por rasgar o bico de outro pacote de vinho tinto.
Ivan não entendeu essa frase, mas não se incomodou. Havia muito que não percebia e que nem começava a tentar perceber. Essa frase portuguesa não era tão misteriosa como os automóveis que contornavam o lugar onde estavam, os autocarros, as motas. Mas o barulho dos motores, por mais matador de cabeça, não era nada perante o mistério, o abismo, de estar morto num momento e, depois, no momento seguinte, estar ali.
Nikolai perguntou a Ivan porque não tinha regressado para a Rússia. Ivan não ouviu, estava a olhar para um grupo de indianos que, a poucos metros, atravessava o centro do largo do Martim Moniz. Nikolai começou a contar a sua própria história, a razão por que ainda não tinha regressado para a Rússia, mas ninguém ouviu. Sergei foi pedir um cigarro e Ivan tinha os olhos envidraçados por cismas. A estranheza da sua nova condição tomava-o por inteiro. "E foi por isso, apenas por isso, que ainda não regressei à Rússia", após dizer isto, Nikolai comoveu-se tomado por um vapor patriótico, ia quase começar a cantar o hino nacional russo, mas Sergei chegou a fumar, a tossir e quebrou o clima. Ivan, claro, não estava atento.
Então, como se despertasse de uma hipnose, Ivan Ilitch consciencializou-se que já tinha vivido, adoecido, morrido e ressuscitado. Essa constatação deu-lhe oportunidade de apreciar o movimento que os seus pulmões estavam, de novo a fazer. A brisa, que novidade. Levantou o olhar, o céu, que distância. Em tudo, de repente, um entusiasmo extremo, uma euforia desmedida. Os seus olhos cresciam. Perguntou de novo onde estava. Sergei voltou a responder que estavam no Martim Moniz. "Sim, mas onde?", voltou a perguntar. Sergei respondeu.
Portugal.
Ivan Ilitch sentiu-se fascinado por essa palavra. De novo, queria viver. Acreditava, de novo, que seria capaz de restaurar a paz que alcançara por duas vezes: na vida e na morte. Procurando o olhar dos homens, que o fixavam de boca aberta e cara mal lavada, perguntou onde iam. Sergei, que segurava o último pacote de vinho já vazio, disse que podiam ir ao Minipreço. Ivan Ilitich concordou, ingénuo, sem poder prever o assombro que iria experimentar quando lá chegasse.
Pouco habituado à superfície do chão, firmava um pé e depois outro, como se quisesse parar a rotação da terra. Levava as mãos levantadas à altura do peito, as palmas das mãos paralelas ao chão, equilibrando-se. No centro do Martim Moniz, ninguém prestava especial atenção a um homem de meia idade a cambalear. Nem os pombos se incomodavam com a sua presença. Eram pombos temerários, de patas mutiladas pelos elétricos. Zonzo, com passos que tinha acabado de reaprender, Ivan aproximou-se de dois homens. Perguntou-lhes onde estava. Os homens não se admiraram com a pergunta.
Eram russos.
Antes de responderem, ofereceram-lhe uma golada de um pacote de vinho tinto, que tiraram de um saco de plástico do Minipreço. Ivan não aceitou e não recusou, havia demasiado pânico nos seus olhos. Foi o homem mais magro que lhe disse que estavam no Martim Moniz. Confuso, com má pronúncia, Ivan repetiu esses dois nomes. Depois, perguntou como foi parar ali. Os dois homens olharam um para o outro como se encolhessem os ombros e não disseram nada. Eles próprios repetiam essa questão para si mesmos todos os dias.
Passou uma ambulância e Ivan encolheu-se todo. Aterrorizado, perguntou como poderia sair dali. Os dois homens acalmaram-no. Convidaram-no a sentar-se ao lado deles. O mais gordo perguntou-lhe o nome. Ivan declamou o nome completo como se, ao fazê-lo, reclamasse a propriedade do seu corpo. Enquanto bocejava e abria uma torta Dan Cake de morango, o mais magro achou curioso que tivesse o mesmo nome do juiz do livro de Tolstoi. Ivan não conhecia Tolstoi, desconhecia, mas, como se se tivesse lembrado de repente, aproveitou para dizer que era juiz. "Um juiz faz sempre muita falta", acrescentou o magro a mastigar torta e a rir-se. Houve uma pausa sem palavras entre os homens. O mais magro era topógrafo, tinha sido essa a sua profissão na Rússia; o mais gordo era professor de álgebra, tinha sido essa a sua profissão na Universidade Lomonosov, em Moscovo.
Ivan resignou-se ou começou a perceber o alcance da proposta que lhe era apresentada. Fixando a distância, talvez tentasse encontrar razões para aquela perturbação do seu descanso. A morte era uma tranquilidade tão confortável, tinha-se habituado a ela, não era justo roubarem-lhe o costume e a paz que os seus ossos e o seu espírito tinham conquistado. Porquê, porquê? Ou, também lhe ocorreu, talvez chegar ali, àquele lugar de barulho, fizesse parte da própria morte. De qualquer das maneiras, todo o trabalho que tivera para alcançar uma morte que o satisfizesse, parecia desperdiçado.
"Não penses nisso", disse o homem mais gordo, como se conseguisse imaginar aquilo em que Ivan estava a pensar. Nesse momento, através das frases arrastadas e incompletas que escutara, Ivan já sabia que o homem mais gordo se chamava Sergei. O mais magro chamava-se Nikolai. Além disso, através das mesmas frases arrastadas, sabia que havia pouco trabalho. "Há trabalho, não há é patrões que paguem", corrigiu Nikolai, com a voz mais lenta, a língua com mais dificuldade de se desenrolar dentro da boca e com a cabeça a equilibrar-se sobre o pescoço, mas a descair, redonda. "Senhor Almeida gatuno, filho da puta", disse Sergei em português enquanto se esforçava por rasgar o bico de outro pacote de vinho tinto.
Ivan não entendeu essa frase, mas não se incomodou. Havia muito que não percebia e que nem começava a tentar perceber. Essa frase portuguesa não era tão misteriosa como os automóveis que contornavam o lugar onde estavam, os autocarros, as motas. Mas o barulho dos motores, por mais matador de cabeça, não era nada perante o mistério, o abismo, de estar morto num momento e, depois, no momento seguinte, estar ali.
Nikolai perguntou a Ivan porque não tinha regressado para a Rússia. Ivan não ouviu, estava a olhar para um grupo de indianos que, a poucos metros, atravessava o centro do largo do Martim Moniz. Nikolai começou a contar a sua própria história, a razão por que ainda não tinha regressado para a Rússia, mas ninguém ouviu. Sergei foi pedir um cigarro e Ivan tinha os olhos envidraçados por cismas. A estranheza da sua nova condição tomava-o por inteiro. "E foi por isso, apenas por isso, que ainda não regressei à Rússia", após dizer isto, Nikolai comoveu-se tomado por um vapor patriótico, ia quase começar a cantar o hino nacional russo, mas Sergei chegou a fumar, a tossir e quebrou o clima. Ivan, claro, não estava atento.
Então, como se despertasse de uma hipnose, Ivan Ilitch consciencializou-se que já tinha vivido, adoecido, morrido e ressuscitado. Essa constatação deu-lhe oportunidade de apreciar o movimento que os seus pulmões estavam, de novo a fazer. A brisa, que novidade. Levantou o olhar, o céu, que distância. Em tudo, de repente, um entusiasmo extremo, uma euforia desmedida. Os seus olhos cresciam. Perguntou de novo onde estava. Sergei voltou a responder que estavam no Martim Moniz. "Sim, mas onde?", voltou a perguntar. Sergei respondeu.
Portugal.
Ivan Ilitch sentiu-se fascinado por essa palavra. De novo, queria viver. Acreditava, de novo, que seria capaz de restaurar a paz que alcançara por duas vezes: na vida e na morte. Procurando o olhar dos homens, que o fixavam de boca aberta e cara mal lavada, perguntou onde iam. Sergei, que segurava o último pacote de vinho já vazio, disse que podiam ir ao Minipreço. Ivan Ilitich concordou, ingénuo, sem poder prever o assombro que iria experimentar quando lá chegasse.
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